A crise financeira da Portuguesa ganhou novos contornos nesta semana. Um relatório encaminhado à Justiça pelo administrador judicial responsável pela Recuperação Judicial do clube revelou preocupações graves sobre a veracidade dos dados contábeis apresentados pela Associação Portuguesa de Desportos. As informações lançam dúvidas sobre a viabilidade do plano de reestruturação da dívida, atualmente estimada em mais de R$ 600 milhões.
De acordo com o parecer, as demonstrações financeiras da Lusa “não refletem as melhores práticas de contabilidade”, além de apresentarem falhas severas nos controles internos e ausência de conciliações. O documento alerta que os saldos divulgados podem estar “significativamente incorretos”, colocando em xeque os índices derivados do balanço patrimonial e da demonstração de resultados.
Outro ponto crítico apontado no relatório é a falta de transparência nas operações relacionadas à Sociedade Anônima do Futebol (SAF). O investimento feito pela Portuguesa na SAF não foi reconhecido nos livros contábeis da associação, nem houve registro da equivalência patrimonial correspondente aos 20% de participação mantidos pela APD. A ausência de acesso a dados contábeis da nova estrutura societária impede uma avaliação precisa do valor desse ativo, que deveria ser central na recuperação judicial.
Disputa interna e contestação judicial
As dificuldades contábeis da Lusa ocorrem em paralelo a disputas internas no Conselho Deliberativo. O conselheiro Daniel Gil Gomes ingressou com uma ação na Justiça para anular a Assembleia Geral que aprovou a constituição da SAF, ocorrida em 18 de março deste ano. Segundo Gomes, o processo violou o Estatuto do clube e não respeitou as exigências da Assembleia anterior, de novembro de 2024, que previa o envio dos contratos aos membros do Conselho de Orientação e Fiscalização (COF) antes da aprovação.
Embora a liminar pedindo a suspensão imediata da Assembleia tenha sido negada, o processo segue em tramitação, e a Justiça aguarda a apresentação de defesa e a produção de provas antes de uma decisão final.
Dívida superior ao valor da recuperação
A diferença entre os números apresentados ao Judiciário e os valores registrados no balanço de 2023, por sua vez, também chama atenção. Enquanto a dívida real da Portuguesa ultrapassa os R$ 603 milhões, o pedido de Recuperação Judicial foi formalizado em R$ 550 milhões, limite que a SAF, controlada majoritariamente pela Tauá Partners (com 80% de participação), se compromete a pagar. Assim, todo valor excedente ficará sob responsabilidade da Associação Portuguesa de Desportos, que, após a transferência da gestão para a SAF, ficará, consequentemente, sem fontes diretas de receita.
Diante desse cenário, a situação preocupa o Conselho de Orientação e Fiscalização (COF), que considera impossível estimar a dívida com base em um balanço rejeitado pelo próprio administrador judicial. Além disso, como sócia minoritária da SAF, a Lusa ainda herdará, no mínimo, R$ 110 milhões em obrigações. Esse fator, portanto, pode comprometer não apenas a viabilidade do acordo judicial, mas também a própria sobrevivência institucional do clube.
Com a credibilidade dos dados financeiros em xeque, somada às disputas internas e a um processo de SAF envolto em questionamentos jurídicos, a recuperação da Portuguesa parece, cada vez mais, incerta. O clube, que tenta renascer das dificuldades e retornar aos principais palcos do futebol nacional, agora enfrenta, mais do que nunca, o desafio de reorganizar sua estrutura administrativa e contábil para evitar um colapso definitivo.